Publicado no jornal "A tribuna" Santos, em homenagem ao Mestre Shinzato pela comemoração de seus 80 anos.................exemplo de dedicação e amor ao karate.
Oss,
Ari - Santos/SP
Domingo, 8 de Abril de 2007, 06:44
“Quando cheguei, precisei cortar árvoresâ€
Da Reportagem
O sorriso singelo e a calma no olhar transmitem a impressão de que as amarguras da vida pouparam este japonês octogenário. Figura lendária da Baixada Santista, o mestre de caratê 10º Dan (grau máximo nesta arte marcial) Yoshihide Shinzato chega aos 80 anos com uma história de vida exemplar, regada por tÃtulos e homenagens. Entretanto, poucos imaginam as dificuldades enfrentadas por ele em terras brasileiras, em um caminho que começou a trilhar como um simples lavrador de Praia Grande, até se tornar a maior autoridade do estilo Shorin-Ryu fora do Japão. Desafios enfrentados e superados sem o uso de atalhos — mais fáceis, contudo menos corretos — graças a uma filosofia pessoal simples e eficaz, transmitida em quase meio século a milhares de alunos que passaram pelas suas pequenas, mas firmes, mãos.
1) O senhor costuma contar que mudou-se do Japão para o Brasil em 1954, aos 27 anos, em busca de aventura, pois estava cansado da situação estável de funcionário público na Terra natal. Hoje, colhe frutos de uma carreira bem-sucedida. Porém, antes de ser reconhecido através do caratê, precisou iniciar a vida aqui como um simples lavrador de Praia Grande. Como foi este começo?
Shinzato - Primeiro, foi muito difÃcil. Quando cheguei, precisei cortar árvores grandes, junto com minha famÃlia. Com seis meses no Brasil, consegui comprar um caminhão e passei a levar chuchus para São Paulo (Praia Grande chegou a ser uma das maiores produtoras do legume no PaÃs). Então, a situação melhorou um pouco.
2) O senhor chegou a dar aulas de caratê em Praia Grande neste perÃodo? Como era viver na Cidade?
Shinzato - Eu dava aulas no quintal da colônia japonesa, que ficava no Tude Bastos, perto da plantação de chuchu. Quando vim para cá, Praia Grande ainda pertencia a São Vicente. Essa região evoluiu muito, mas eu vi este lugar mais novo e era mais bonito.
3 ) Depois de oito anos no Brasil, em 1962, o senhor conseguiu abrir a primeira sala, em Santos, a Academia Santista de Karate-Do, na Rua Brás Cubas, onde grandes Ãcones da sociedade local treinaram. Qual a importância disso para o seu trabalho?
Shinzato - Tive muitos alunos famosos, que praticaram comigo. O mais importante foi o apoio que tive dos discÃpulos, que me levantaram. Ninguém evolui sozinho.
4) Além dos tÃtulos e homenagens que o sr. acumulou ao longo da vida, como esta que acaba de receber no Mundialito de caratê, em Praia Grande, o fato de levar uma vida exemplar o torna um mestre não só para os alunos, como também para toda a sociedade. Para o senhor, o que um verdadeiro mestre deve carregar?
Shinzato - Precisa gostar da sua vida profissional, tocar com disposição e continuidade. Meu trabalho já tem quase 50 anos no Brasil, divulgando o Karate-Do e orientando.
5 ) O senhor vem do Japão, um paÃs culturalmente disciplinado. Como foi ensinar uma arte que exige esta caracterÃstica, para o povo brasileiro, que tem um perfil bem diferente?
Shinzato - Acho que o brasileiro gosta da modalidade de luta que ensino e tem corpo bom, com muita habilidade. Basta se adaptar. Com o tempo de convÃvio com o Karate-Do, aprende a ser disciplinado.
6 ) Em um mundo cada vez mais violento, como o senhor consegue manter uma postura sempre calma?
Shinzato - Eu acho que, praticando com boa vontade, aos poucos, a pessoa pega a filosofia e prática de defesa pessoal, encontrando maior tranquilidade. Nestes quase 50 anos de ensino, já passaram pelas suas mãos quase 20 mil alunos.
7 ) Qual a principal lição filosófica que o senhor procurou transmitir a cada um deles?
Shinzato - A principal filosofia do Budô é o respeito ao próximo. A segunda é a responsabilidade e, depois, a cortesia. Eu quis sempre passar preparo fÃsico e cortesia. A finalidade da prática do Karate-Do é formar um homem útil para a vida social, com saúde.
8 ) Como o senhor consegue se manter coerente, dentro destes princÃpios que carrega e ensina, em um mundo com valores tão tênues, no qual o caminho mais correto, na maioria das vezes, é o mais árduo?
Shinzato - Penso que, primeiro, as pessoas devem ter boa vontade para ligar o coração com o coração do próximo. E a prática do esporte, como o Karate-Do, serve para o preparo fÃsico e também para o equilÃbrio mental, que só com o treinamento a gente ganha.
Cronologia
15/3/1927 — Nasce em Haebaru-Sho, na Ilha de Okinawa, no Japão, Yoshihide Shinzato, filho de Seijun (lavrador) e Kama Shinzato.
1939 — Aos 12 anos, ele tem o primeiro contato com as artes marciais, na época escolar, para ‘‘eliminar o complexo com a estatura baixa’’.
21/12/1949 — Yoshihide Shinzato se casa com Tomi Shinzato, com quem tem oito filhos (Masahiro, Mitsuhide, Kazuo, Etsuko, Naoko, Yoriko, ValquÃria e Kimi).
15/01/1954 — Após dois meses de viagem de navio, Shinzato desembarca no Porto de Santos, indo morar e trabalhar na colônia japonesa existente em Praia Grande.
3/6/1962 — O mestre funda a Academia Santista de Karate-Do na Rua Brás Cubas.
1970 — Shinzato muda o nome da academia para Associação Okinawa Shorin-Ryu Karate-Do do Brasil.
1976 — Ele cria a União Shorin-Ryu Karatê-Do do Brasil (USKB).
1992 — O mestre funda a International Union Shorin-Ryu Karate-Do Federation (IUSKF).